A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão
que permitiu a adoção de neto por seus avós, reconhecendo a filiação
socioafetiva entre ele e o casal. O colegiado concluiu que os avós
sempre exerceram e ainda exercem a função de pais do menor, concebido
por uma mãe de oito anos de idade que também foi adotada pelo casal.
“A adoção foi deferida com base na relação de filiação socioafetiva
existente”, afirmou o relator do recurso, ministro Moura Ribeiro, para
quem não se trata de um caso de simples adoção de descendente por
ascendentes – o que é proibido pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
“O constrangimento a que o menor é submetido a cada situação em que
precisa apresentar seus documentos é altíssimo, sobretudo se se levar em
conta que tal realidade não reflete a vivenciada no dia a dia por
ele,filho que é de seus avós”, acrescentou o relator.
O casal adotou a mãe do menino quando ela tinha apenas oito anos e
estava grávida, vítima de abuso sexual. Tanto a menina quanto seu bebê
passaram a ser cuidados como filhos pelo casal, que mais tarde pediu a
adoção formal também do menino.
Ordem familiar
O menino – hoje um adolescente de 16 anos – foi registrado apenas no
nome da mãe e com informações desatualizadas, pois após o registro a
genitora teve o próprio nome alterado sem que houvesse a retificação no
documento.
A sentença deferiu o pedido de adoção. O Ministério Público de Santa
Catarina apelou, sustentando que o menor já residia com sua mãe
biológica e com os avós adotivos, razão pela qual a situação fática não
seria alterada pela adoção. Alegou também que a adoção iria contrariar a
ordem familiar, porque o menino passaria a ser filho de seus avós, e
não mais neto.
O Tribunal de Justiça, entretanto, manteve a sentença, levando em
conta as peculiaridades do caso e o princípio constitucional da
dignidade humana, com vistas à satisfação do melhor interesse do menor.
Segundo o tribunal, a mãe biológica concordou com a adoção no
depoimento prestado em juízo. Além disso, o estudo social foi favorável à
adoção ao reconhecer a existência de relação parental afetiva entre as
partes.
Como irmãos
No STJ, o Ministério Público afirmou que a adoção somente pode ser
deferida quando a criança ou o adolescente não mais tem condições de ser
mantido na família natural (formada por pais e seus descendentes) ou na
família extensa (que inclui parentes próximos). Sustentou ainda a
impossibilidade jurídica da adoção pelos avós do filho da filha adotiva e
defendeu a extinção do processo sem resolução de mérito.
De acordo com o MP, a adoção de pessoas com vínculo de ascendência e
descendência geraria confusão patrimonial e emocional, em prejuízo do
menor.
Em seu voto, o ministro Moura Ribeiro concluiu que a decisão do
tribunal estadual deve ser mantida. Segundo ele, não é o caso de
simplesmente aplicar o artigo 42 do ECA, que proíbe a adoção por
ascendentes, uma vez que esse dispositivo se destina a situações
diferentes daquela vivenciada pela família.
“Ainda que se fale em ascendentes e descendente, a realidade trazida é
outra. Não foi o adotando tratado pelos requerentes como neto e, por
isso mesmo, eles buscam a sua adoção, até porque não houve um dia sequer
de relação filial entre a mãe biológica e o menor, que sempre se
trataram como irmãos”, afirmou o relator.
Interesse do menor
Ao fazer uma retrospectiva sobre a história legal da adoção no
Brasil, Moura Ribeiro disse que no Código Civil de 1916 a principal
característica era a preocupação com os anseios dos adotantes, que, na
maioria das vezes, queriam assegurar a continuidade de suas famílias
quando não pudessem ter prole natural.
Seguiram-se três leis sobre o tema (3.133/57, 4.655/65 e 6.697/79) antes da elaboração do ECA, que privilegia o interesse do menor.
Moura Ribeiro afirmou que é inadmissível que a autoridade judiciária
se limite a invocar o princípio do superior interesse da criança para
depois aplicar medida que não observe sua dignidade.
“Frise-se mais uma vez: o caso é de filiação socioafetiva. Em
verdade, em momento algum pôde essa mãe criança criar laços afetivos
maternais com seu filho, porquanto nem sequer deixou de ser criança à
época do parto. A proclamada confusão genealógica gritada pelo MP aqui
não existe”, disse o ministro.
“Não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas
familiares estão em mutação. E, para lidar com essas modificações, não
bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas,
levando-se em conta aspectos individuais de cada caso. É preciso ter em
mente que o estado deverá cada vez mais estar atento à dignidade da
pessoa humana”, concluiu.
Fonte: STJ